Apesar da ausência de leis específicas sobre os direitos das vítimas de desastres naturais, especialistas destacam algumas diretrizes comuns relacionadas a serem adotadas.
Em meio ao caos instaurado pelo maior desastre ambiental já registrado na história do Rio Grande do Sul, que já passa de um mês, a população afetada busca compreender seus direitos. De acordo com informações da Agência Brasil, 37.154 pessoas estão atualmente abrigadas em um dos 857 abrigos provisórios disponibilizados pelo estado. O balanço mais recente das enchentes, atualizado pela Defesa Civil nesta segunda-feira (3), indica que 579.457 pessoas continuam desalojadas, vivendo temporariamente em casas de parentes, amigos ou nas margens de estradas, aguardando o momento de poderem retornar às suas residências. A tragédia já resultou em 172 mortes, conforme divulgado pela Defesa Civil no domingo, e 42 pessoas ainda estão desaparecidas.
Além de perderem lares e bens, os residentes encaram a dura realidade de um futuro incerto, em meio a significativos impactos emocionais, sociais e econômicos. Diante dessa adversidade, a sociedade questiona as responsabilidades e os direitos inerentes às vítimas de emergências climáticas.
As enchentes podem ocorrer devido a causas naturais e humanas. As causas naturais incluem períodos de chuvas intensas e cheias dos rios. As causas humanas, por outro lado, resultam da interferência no meio ambiente por diversos fatores, como a falta de planejamento urbano adequado e o descarte inadequado de lixo, entre outros.
O papel das atividades humanas como elemento exacerbador da catástrofe é inegável. Construções em zonas de risco e a negligência na manutenção de infraestruturas de contenção de cheias são fatores críticos identificados. Segundo o professor Roberto Reis, da PUCRS, em conversa com a Agência Brasil, a falta de manutenção adequada nas obras de infraestrutura hídrica dos anos 1970 é um dos principais vilões desta tragédia.
Diante desse cenário, é imperativo que os afetados estejam cientes de seus direitos e das medidas cabíveis para minimizar os danos. A documentação detalhada dos prejuízos, a negociação cautelosa e fundamentada junto às autoridades e a busca por suporte governamental e judicial são medidas necessárias na rota de recuperação.
Os impactos dos eventos climáticos extremos exigem atenção e ação. O conhecimento dos direitos por parte dos trabalhadores e consumidores é um passo fundamental para a correta mitigação e obtenção de reparação. A crise atual ressalta a necessidade de uma conscientização mais profunda sobre a importância de políticas de prevenção e adaptação às mudanças climáticas.
A magnitude das perdas econômicas é ainda incerta, mas estima-se que o custo do desastre possa equivaler a 1% do PIB brasileiro. Contudo, o consenso entre especialistas é que a inação diante do avanço das mudanças climáticas pode acarretar um ônus muito mais elevado do que o investimento preventivo em medidas de mitigação e adaptação. O desafio que se impõe agora é como mobilizar recursos e implementar estratégias eficazes para não apenas restaurar o que foi perdido, mas também fortalecer a resiliência das comunidades contra futuras catástrofes.
Em resposta, governos locais e federais, juntamente com organizações não governamentais, devem unir esforços para oferecer assistência imediata às vítimas e também promover a conscientização sobre a importância de práticas sustentáveis e de planejamento urbano responsável. Além disso, é essencial que se estabeleça um diálogo construtivo entre as partes afetadas e as instituições financeiras para facilitar o acesso a créditos e subsídios que possam aliviar o fardo econômico dos cidadãos e empresas impactadas.
O desastre natural reabriu o debate no Brasil sobre o papel do Estado, tanto em evitar as mudanças climáticas quanto no socorro às vítimas.
A responsabilização do Estado por danos decorrentes de desastres naturais é uma questão complexa e desafiadora, mas não pode ser descartada. Segundo Diogo Guanabara, advogado especialista em direito civil pela Faculdade Baiana de Direito e Mestre em direito constitucional e ambiental pela Universidade de Coimbra,
“a responsabilidade civil pode ser cogitada no cenário de um Estado Socioambiental de Direito como proposto pela nossa Constituição, em que a inação ou a inadequada gestão de riscos ambientais pelo Estado pode ser considerada omissão ilícita”. Assim, essa responsabilidade pode ser discutida quando o Estado falha em cumprir seus deveres de proteção ambiental, resultando em danos catastróficos evitáveis.
Aumento de preços de produtos básicos
O especialista em direito do consumidor e professor da Baiana de Direito, Tiago Agostinho, explica: “Durante calamidades públicas, é ilegal aumentar injustificadamente os preços dos produtos básicos. Esse ato é considerado crime contra o consumidor.” Ele aconselha que qualquer elevação suspeita nos preços seja reportada imediatamente ao Procon e ao Ministério Público, garantindo que os comerciantes não se aproveitem da situação para explorar a vulnerabilidade dos afetados.
Seguros de imóveis e automóveis
Uma das formas mais eficazes de obter indenização por danos ou perdas causadas por desastres naturais é através dos seguros de imóveis e automóveis. Agostinho comenta: “É fundamental consultar as apólices para verificar a cobertura de fenômenos como enchentes e deslizamentos. Documentar os danos e notificar a seguradora são passos essenciais para iniciar o processo de reivindicação.” Registrar todos os estragos com fotos e vídeos é crucial para reivindicações de seguros, processos judiciais e pedidos de auxílio governamental.
Aluguéis de imóveis afetados
Se um imóvel alugado se tornar inabitável, o proprietário não pode cobrar aluguel e o contrato pode ser rescindido. Se o imóvel puder ser habitado após reparos, as partes devem discutir as novas condições, incluindo a possibilidade de reduzir ou suspender temporariamente o aluguel. No caso de imóveis comerciais alugados, a orientação é semelhante, com a possibilidade de acionar seguros obrigatórios.
Impactos no comércio e no setor de seguros
Os temporais têm consequências severas para pequenos e grandes negócios, ativando uma das maiores operações já registradas pela indústria nacional do seguro. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) estima que pelo menos 700 mil pequenos negócios tenham sido afetados até o momento. A CNseg orienta as seguradoras associadas a estender os prazos de pagamento e renovação das apólices.
Impacto no trabalho
As emergências climáticas também afetam a vida profissional. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não oferece uma solução específica para os casos de falta por fenômenos climáticos ou calamidades públicas. Empregadores e empregados devem negociar soluções, como bancos de horas, compensação de horas, abono por liberalidade do empregador, negociações coletivas com sindicatos, férias coletivas ou individuais. A modalidade de teletrabalho ou trabalho remoto pode ser adotada quando possível. Negociações coletivas com sindicatos e intermediação de órgãos como o Ministério do Trabalho podem ajudar a encontrar soluções adequadas.
Desta forma, é importante que o empregador avalie cada caso individualmente e busque alternativas para garantir a segurança e bem-estar de seus funcionários durante situações de calamidade pública. Medidas como o home office, flexibilização de horários e licenças remuneradas podem ser adotadas para garantir a continuidade do trabalho sem prejudicar a saúde e segurança dos colaboradores. É fundamental que haja diálogo e compreensão entre empregador e empregado para encontrar soluções que sejam justas e adequadas para ambas as partes.” destaca a doutora em Direito e Processo do Trabalho e professora de Direito e Processo do Trabalho na Faculdade Baiana de Direito, Juliane Facó.
“A melhor opção é fazer uma negociação coletiva com o sindicato via acordo coletivo para aquela empresa específica ou mesmo algo maior, como uma convenção coletiva de trabalho ou uma intermediação nos órgãos de fiscalização do trabalho, SRTE, Ministério Público do Trabalho, dentre outros.”
Ela acrescenta: “Embora a falta ao trabalho em situações de calamidade pública não seja considerada justificada legalmente, é importante levar em consideração que a situação pode impedir o trabalhador de comparecer ao serviço. Portanto, considerar a falta como motivo para demissão por justa causa pode ser visto como excessivo e injusto, podendo resultar em ações judiciais e indenizações por danos morais. É importante analisar cada caso individualmente e considerar a situação de calamidade pública como um fator relevante.”
Benefícios sociais e assistenciais
Segundo Ivan Kertzman, especialista na área, a situação atual no Rio Grande do Sul é catastrófica e pode levar uma grande parcela da população à extrema pobreza e miséria. Isso afetará especialmente os benefícios sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos e pessoas com deficiência.
Ivan, que é professor de Direito Previdenciário e mestre em Direito Público pela UFBA, sugere que, assim como durante a pandemia, o governo possa criar um benefício assistencial para ajudar as pessoas que estão passando por dificuldades financeiras. Isso pode ser administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) ou pela Caixa Econômica Federal.
Além disso, o especialista prevê que muitas pessoas precisarão de benefícios por doença devido à contaminação do rio e ao início do inverno, e que os seguros de emprego também serão necessários, pois as empresas passarão por dificuldades financeiras e podem precisar demitir funcionários ou receber ajuda do governo para manter os contratos de trabalho.
Em resumo, o especialista destaca que a situação no Rio Grande do Sul é grave e que é preciso encontrar soluções para ajudar as pessoas que estão passando por dificuldades, seja através de benefícios sociais, assistenciais ou de seguros de emprego.
A tragédia enfrentada pelo Rio Grande do Sul é um alerta para todo o país sobre as consequências tangíveis das mudanças climáticas. A hora de agir é agora, para garantir que direitos sejam assegurados e que o futuro seja construído sobre alicerces mais sólidos e sustentáveis. A solidariedade e a mobilização coletiva em tempos de crise demonstram a capacidade resiliente da nação brasileira, mas também apontam para a necessidade urgente de políticas públicas mais efetivas no combate e prevenção de desastres naturais.
Medidas emergenciais do governo
O Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, anunciou um pacote de medidas emergenciais voltadas para os trabalhadores do Rio Grande do Sul, incluindo investimentos de R$ 1,6 bilhão, somando mais de R$ 4 bilhões com a suspensão do FGTS para as empresas. Além disso, o presidente Lula anunciou investimentos de R$ 50 bilhões para o povo gaúcho.